Uma carta para um querido

Por Ruth

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Você é um caixinha de mistérios que eu recebi. Seu formato e os comentários que ouvi antes de te ter em minhas mãos eram (e, de certa forma, ainda sao) um pouco assustadores. Logo nos primeiros meses de nosso relacionamento percebi o quanto que o que já havia ouvido falar de você não podia me preparar para as surpresas que me aguardam embaixo de sua tampa.

Hoje em dia você já deve ter percebido isso, mas eu sou um tanto “noiada” e hiper perfeccionista com o meu desempenho acadêmico. No início, pela primeira vez na vida, estava lidando com algo (ou alguém?) cujo futuro eu não consegui prever. Você exigiu que montássemos uns grupos, com um número variando entre 4 e 5 pessoas e, de fato, aquilo já foi assustador. Hoje em dia entendo porque que nenhuma das meninas de minha turma não queriam sair dos grupos que estavam. O seu critério de grupos mistos é uma coragem que me admira mas, ao mesmo tempo, me deixa com certos receios. Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde os papéis de gênero ainda são bastante definidos e impostos. Me odeio por ter que verbalizar isso, mas, como consequência desse quadro mencionado, de fato, é impossível fazer com que a maioria dos grupos fiquem horizontalizados. Estabelecendo uma generalização bastante grosseira, percebi com você o quanto que os meninos trabalham menos do que as meninas. Isso é triste, mas é a realidade.

Contudo, nem só de espinhos se construiu esse nosso jardim. Antes de te reconhecer, não tinha a menor ideia do quão leiga sou (e era) em relação à minha cidade natal, São Paulo, e ã própria metropole que existe dentro de mim. Percebi o quanto que ainda preciso evoluir as minhas habilidades de trabalho em grupo, e que construir coletivamente algo tão intenso e complexo, como você, exige empatia, paciência e esforço, tudo isso em excesso. Ao mesmo tempo, você me fez sair pelas ruas de SP, (re)descobrimento os caminhos que eu fazia todos os dias, mas não parava um segundo para sentir e, realmente, estar presente. Espero que esses três mágicos que vivemos junto com um bilhete único continuem por muito e muito tempo transcendendo a vida de outros adolescidos.

Cada hora de sono que perdi depois gravando e editando o documentário que fiz em sua homenagem até que valeu a pena. Você é difícil, de fato. Foi exaustivo, cansativo e em alguns momentos acho que perdi Talvez, se eu tivesse tido algumas oficinas a mais de edição de vídeo, nossa trajetória teria sido um pouco menos complexa de ser decifrada.

Te peço desculpas pelos meus momentos de pânico e desespero, quando estava perto de 23h59 e eu ainda não tinha entregado o seu minidoc ou completado os textos que queria declamar-te, sei que você não merecia tudo isso. Só que, no fundo, eu também sou só uma adolescente meio bobinha, que subestimou a sua capacidade de amadurecer as pessoas. Valeu por me ensinar como que eu também sou totalmente ignorante em relação aos conflitos que perpassam as sinapses dos neurônios de alguém que vive sabendo que não tem laços sanguíneos com as pessoas que chama de pais. Ou, até mesmo, que reflexões habitam os infinitos dias de só descobriu isso quando já era um adulto.

Juro que os livros que li pra você não foram da boca (ou melhor, dos olhos) pra fora, não. Eles me transcenderam. Você me transcendeu. Passei tanto tempo ouvindo que deveria ler textos artigos acadêmicos para conseguir ter um bom relacionamento contigo, que acho que faltou alguém me olhar nos olhos e dizer que eu não precisava abandonar a minha querida literatura ficcional para que a nossa experiência de pesquisa fosse tão rica quanto a de alguém que passou horas e horas navegando pelo Google Acadêmicos.

Ah, confesso que você também me fez deixar cair algumas lágrimas no meio dessa nossa travessia tentando descobrir “o que está por vir.” Provavelmente, a maior parte delas foi de medo e desespero. Eu e os 4 seres que tentamos decifrar juntos a senha do seu cadeado, tivemos os nossos diversos momentos de conflito. Porém, apesar de todos os pesares, você me entregou pessoas que hoje posso chamar não de colegas, mas de amigos.

Quando tive de dizer adeus para você, no meio de uma sala de cinema em um evento que ficou conhecido como “Mostra de Minidocs”, confesso que me emocionei. Isso só foi ainda mais intensificado quando vi a beleza que existia nos trabalhos que meus colegas de outros grupos tinham dedicado a você. Gostaria que aquele local estivesse mais cheio, para que todos pudessem apreciar aquele momento. Talvez o vazio tenha ocorrido em função da proximidade com uma prova muito importante, não sei. Talvez tenha sido só um descompromisso também. O fato é que te dar um último “tchau” foi essencial para que eu pudesse encerrar, de uma vez por todas, o nosso processo.

Enfim, tivemos uma caminhada… complexa. Não digo que foi fácil ou 100% maravilhoso abrir essa caixinha que você é, segundo o conceito empírico e popular chamada de Móbile na Metrópole, mas foi enriquecedor. Não digo que espero te ver de novo por aí, ou que gostaria de repetiria tudo isso, pois chegou a hora da nossa despedida e 9 meses ao seu lado foi mais do que o suficiente. Mas, ficam aí os meus sinceros cumprimentos.

Com carinho,
Ruth


 

Querido(a) leitor(a),

Depois de viver tantas coisas durante o Móbile na Metrópole, não tive coragem de me despedir dele como se fosse uma coisa qualquer e alheia a mim mesma. Precisava expressar as minhas sugestões, aprendizagens e críticas, de fato, como se ele fosse o interlocutor da grande carta que fui escrevendo na minha vida ao longo do ano. 

Fonte do gif: https://www.deviantart.com/chuustar/art/Box-animation-399788662

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